sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

DEMOCRACIA, REFORMA DO ESTADO E NEOLIBERALISMO NO

DEMOCRACIA, REFORMA DO ESTADO E NEOLIBERALISMO NO
BRASIL “REDEMOCRATIZADO”.
Thiago Martins Santana
“Qualquer reforma do Estado digna do nome não pode
se reduzir ao plano da administração, do funcionalismo
público ou dos ajustes fiscais, tributários e
previdenciários: seu nervo, a rigor, está “fora” do
Estado, assentando-se na revisão das articulações
entre o Estado e a sociedade e na reinvenção do modo
de se pensar e praticar a política”.
Marco Aurélio Nogueira
“O Estado não é mais o motor de nossa história nem
tábua de salvação. Na democracia quem salva a nação
não é o governo, é a sociedade.”
Fernando Collor de Mello
O pensamento que norteou o ex-presidente Fernando Collor de Mello em sua
afirmação relatada acima, instruindo-o a declarar que o Estado já não era mais
tábua de salvação e tampouco motor da história, era bastante comum no contexto
vivido, o fim do século XX.
Segundo Nogueira (1998, p. 123), “com a posse de Fernando Collor de Mello na
Presidência da República em março de 1990, a questão do Estado, em suas
múltiplas dimensões, foi levada a posição de destaque absoluto [...]”. O mérito dessa
discussão pode ser atribuído, entre outros, a alguns fatores como a ainda forte
presença de espectros do regime anterior, o que fazia com que a idéia de um Estado
interventor fosse temida. Consideremos ainda que o país caminhava a passos largos
para a experiência do capitalismo mundial e, por conseqüência, com sua ideologia, o
neoliberalismo. Com esse terreno já preparado, entra em cena uma equipe de
governo que usa a cartilha desse modelo para guiar as suas ações.
A intensificação desse discurso fez com que a questão do Estado e sua atuação se
tornassem plataforma para as eleições presidenciais de 1989,
Como não poderia deixar de ser, a polêmica ganhou cores fortes no
decorrer da campanha presidencial de 1989, quando o neoliberalismo veio
a público proclamar que o Estado simbolizava o atraso indesejável e que a
construção da modernidade por todos almejada dependia da negação do
Estado. Uma de suas máximas preferidas ganharia as páginas dos jornais:
“menos governo, menos miséria”. (NOGUEIRA, 1998, p.124).
O Estado a esta altura já era apresentado como um entrave ao desenvolvimento.
Assim como o empresariado emergente, o país não poderia ficar a mercê de um
agente regulador que bloqueava o progresso social.
A atmosfera de modernidade, os ventos do neoliberalismo, do sonho de liberdade se
contrastavam já na época com a realidade social brasileira, representada por uma
desigualdade social gritante, como relata Weffort,
[...] Quais são as perspectivas de consolidação da democracia política em
um país mergulhado na crise e apresentando um quadro de extraordinária
desigualdade social? Que tipo de democracia temos em vista? Como
encarar as propostas para um pacto social ou as previsões de um futuro
social-democrático para o Brasil? (WEFFORT, 1992, p.12).
Mesmo considerando alguns avanços democráticos, a desigualdade social brasileira
constituiu-se em um entrave à consolidação da democracia. Weffort (1992, p.17)
observa que “a despeito dos avanços democráticos contidos na nova Constituição,
permanece sem solução a questão fundamental da separação entre liberdade
política e igualdade social [...]”. Ainda segundo Weffort (1992, p.21) “[...] a ordem
política inaugurada no Brasil em 1988-89 reflete um processo de transição no qual
essas duas dimensões da democratização tiveram um crescimento extremamente
desigual. O aumento da liberalização foi muito maior do que o da participação”.
Essa relação apontada em Weffort coloca a igualdade social como fator
condicionante da democracia social. O autor reitera que
Esta é a direção a ser seguida por nossa luta pela cidadania, a fim de
alcançarmos uma nova inter-relação entre a democracia política e
democracia social, ou, para retomarmos nossos termos originais, entre a
“defesa da liberdade política” e a “defesa da igualdade social”. Estamos
entrando em um período de intenso conflito social, sob um regime político
que se tornará cada vez mais democrático apenas na medida em que
aumentarem a organização e a participação populares. (WEFFORT, 1992,
p.33).
Esse período de intenso conflito social e de vigência do regime democrático
apontado por Weffort no início da década de 1990, é retomado por Santos e Avritzer
(2003). Os autores discutem que
[...] a democracia assumiu um lugar central no campo político durante o
século XX. Se continuará a ocupar esse lugar no século em que agora
entramos, é uma questão em aberto. O século XX foi efetivamente um
século de intensa disputa em torno da questão democrática. Essa disputa,
travada ao final de cada uma das guerras mundiais e ao longo do período
da guerra fria, envolveu dois debates principais: na primeira metade do
século o debate centrou-se em torno da desejabilidade da democracia [...]
Um segundo debate permeou a discussão em torno da democracia no pós-
Segunda Guerra Mundial: trata-se do debate acerca das condições
estruturais da democracia[...] (SANTOS;AVRITZER, p.39-40).
O primeiro debate apontado acima traz à luz a reflexão sobre a desejabilidade da
democracia, o que tornou o discurso quase consensual. A democracia é apontada
como valor e a sua busca “justifica” qualquer ato. O segundo debate refere-se às
condições estruturais da democracia. Considerando a visão positiva que se tem da
mesma, eis que surge a necessidade de pensar condições para sua implementação.
Essas condições vão além de estruturas, passam a compor o cotidiano do indivíduo.
Quando isso não acontece, identificamos o que Avritzer (1996, p.136) chama de
"hiato entre a existência formal de instituições e a incorporação da democracia às
práticas cotidianas dos agentes políticos".
Feito um panorama acerca do debate entre a democracia e suas condições,
pretende-se discorrer um pouco mais sobre a necessidade de uma Reforma
Democrática do Estado, tendo em vista alguns acontecimentos das últimas décadas
do século XX.
AS PRIMEIRAS ELEIÇÕES DEMOCRÁTICAS (O REFORMISMO COLLOR
DE MELLO)
Retomando o corpo eleitoral brasileiro a uma prática democrática há muito ausente,
as eleições de 1989, realizadas durante os meses de novembro e dezembro em dois
turnos, marcaram demonstrações dos diversos matizes ideológicos que compunham
o jogo de forças da sociedade brasileira da época.
Segundo Nogueira (1998, p.126) “o país chegara às urnas sem um conhecimento
mais aprofundado a respeito do projeto político específico de cada candidato”, isso
se deveu, entre outras, às mais variadas falhas no processo político conduzido pelo
então presidente eleito indiretamente, José Sarney.
Compareceram à urna cerca de 82 milhões de eleitores, que depositaram nas urnas
67,6 milhões de votos válidos. Como resultado algumas surpresas, principalmente
para grandes partidos como o PMDB e o PFL, que não galgaram os votos que
poderiam ser resultantes de seus papéis na transição democrática. Seriam
derrotados ainda Leonel Brizola, Paulo Maluf, Roberto Freire, Afif Domingos, além
de mais alguns “microcandidatos”.
Uma campanha ansiosa por novidades colocaria como candidatos ao segundo turno
do pleito exatamente os seus representantes: Luiz Inácio Lula da Silva (16,08% dos
votos) e Fernando Collor de Mello (28,52% dos votos). Como afirma Nogueira (1998,
p.127) “haviam sabido canalizar o cansaço e a desilusão dos brasileiros para com a
‘classe política’ e o modo mesmo de fazer política no Brasil”.
A busca por votos dados ao centro e à esquerda democrática marcou a campanha
em seu segundo turno. Leonel Brizola decide seu apoio ao PT, transferindo ao
candidato Lula, em quase totalidade, seus votos nos estados do Rio Grande do Sul
e no Rio de Janeiro. O baixo nível da argumentação também marcará esse turno
eleitoral, as propostas e exposições de idéias seriam substituídas por ofensas
pessoais e por acusações.
Alcançando uma boa votação nos maiores colégios eleitorais do país, São Paulo e
Minas Gerais, é eleito o candidato Fernando Collor de Mello com 53,03% dos votos.
[...] a massa de votos por ele obtida, distribuída homogeneamente por todo
território nacional, ajudaria a explicar que sua vitória não fora mero
acidente de percurso ou fruto do acaso, mas produto autêntico do processo
político brasileiro. (NOGUEIRA, 1998, p.129).
Com um mote baseado na “luta contra os marajás”, no apelo demagógico aos
“descamisados” e aos “pés descalços”, Collor indica o rumo da Reforma do Estado
que iria tomar durante os seus dois anos de governo. Seu viés após eleito pendia
mais para o lado do autoritarismo, dispensando inclusive as praxes administrativas
em prol da aprovação de seus desígnios. Nos primeiros meses de seu mandato,
pesquisas já indicavam o declínio da satisfação com sua gestão por parte da
sociedade brasileira.
Em meio às primeiras crises econômicas, o tema do Estado é tocado pelo
presidente. Sua retórica é neoliberal,
[...] “A modernização econômica do país não pode prescindir de uma
profunda reforma do Estado”, dirá Collor em discurso proferido a 9 de maio
de 1990. “Há que se levar a cabo uma reforma que, além de corrigir as
distorções mais visíveis da máquina, habilite o Estado a orquestrar uma
nova política de desenvolvimento”. Alternando influências do neoliberalismo
e da doutrina social-democrática, o discurso ilustrava bem os termos em
que o combate à crise do Estado seria proposto pelo novo governo.
(NOGUEIRA, 1998, p.134).
[...] “é propósito deste governo retirar o Estado de atividades onde sua
presença já não é necessária ou onde jamais foi”, dotar o Estado de uma
“estrutura com mobilidade e flexibilidade, tanto para assegurar capacidade
reguladora nas áreas mais sensíveis para o desenvolvimento, como para
realizar ajustes em momentos de crise” . (NOGUEIRA, 1998, p.134-135).
A argumentação de Collor pretendia justificar a necessidade de uma reforma da
Administração: diminuição de ministérios, liquidação de órgãos públicos, redução de
pessoal administrativo, entre outras medidas. Ainda que necessária essa reforma
não poderia ser compreendida como a reforma do Estado, o que era o entendimento
do presidente, que apontava o Estado como apenas a sua estrutura burocrática e
governamental. “[...] O Estado era encarado como se fosse o único problema de
fundo, fonte e matriz exclusiva da crise nacional, ente hipostasiado e pensado como
autônomo em relação à sociedade”. (NOGUEIRA, 1998, p.136).
Por esse prisma perdia-se toda a dimensão da relação da sociedade com o Estado,
inclusive na sua formação. Seus aspectos sócio-históricos e seus verdadeiros
personagens eram diminuídos pela elevação da estrutura burocráticogovernamental,
o que no fim não trouxe mais do que uma ameaça de crise do corpo
administrativo, e em seguida a desmoralização da imagem do funcionário público.
O discurso do governo no tocante a questão do Estado condizia com o ambiente
ideológico e político vivenciado pela sociedade brasileira da época. Não muito
confiante nas possibilidades da redemocratização e extremamente desgastada pela
relação com Estado proveniente do antigo regime.
[...] a questão do Estado não terá como sair de cena. Ao contrário:
organizará todo o debate político ao longo dos anos 90 – tanto sob a forma
da discussão a respeito do Estado interventor, quanto sob a forma do
ataque ao Estado-regulador e ao Estado-ordenador, espaço para a
afirmação dos “interesses gerais”. (NOGUEIRA, 1998, p.137)
O reformismo em Collor é caracterizado pela ausência de rumos, de direcionamento,
pela tentativa de ser auto-suficiente, pelo fanatismo que levou o governo a
empreender um plano de ação que satisfaria a modernização da economia, mas que
no fim cumpriu com pouco do que se propôs. O governo Collor de Mello termina dois
anos depois de seu início com um processo de impeachment até então inédito na
vida republicana do país. Como legado, deixa a aproximação do discurso da questão
do Estado com os valores neoliberais e globalizados, desmoraliza as atividades do
governo e aprofunda o abismo entre sociedade civil e Estado.
A CRISE DO ESTADO E O NEOLIBERALISMO NA DÉCADA DE 90
A década de 90 assistiu uma rápida tomada de posição por parte do neoliberalismo.
O Estado caracterizado por sua ineficiência e atraso, como já tratamos, é colocado à
prova a todo o momento. O discurso da liberdade neoliberal argumentava contra a
intervenção e a regulação estatal,
[...] O cerne do argumento dos neoliberais contra a intervenção e a
regulação social ancorava-se no pressuposto de que o novo igualitarismo,
promovido pelo Estado de Bem-Estar, destruía a liberdade dos cidadãos e
a vitalidade da concorrência, da qual dependia a prosperidade de todos.
(ZORZAL, 1996, p.9)
O neoliberalismo elegeria os temas ligados a “questão social” como responsáveis
por essa ineficiência estatal. Opera como se o próprio Estado fosse responsável
pela sua crise, daí a necessidade de impossibilitá-lo na busca da reestruturação do
mercado.
[...] as atividades e os setores essenciais seriam sempre os mais atingidos
pela distorção privatista do Estado, pela sua ineficiência e pelo descalabro
das finanças públicas. Educação, ciência e tecnologia, saúde, previdência,
habitação, toda uma gama de temas decisivos para o alcance de um
patamar aceitável de bem-estar e de uma melhor posição em termos de
desenvolvimento [...] A propaganda neoliberal elegeria justamente aqueles
temas decisivos da área social como responsáveis pelo déficit público e
pelo excessivo gasto estatal [...]. (NOGUEIRA, 1998, p.150)
Utilizando-se da acumulada insatisfação social com o Estado, o neoliberalismo
corrobora para a agitação social com slogans que reafirmam a necessidade do
controle do Estado pela sociedade. Claramente, esse ataque ao Estado dizia
respeito ao seu isolamento em relação ao mercado. O “Big Market” regula suas
próprias ações. No entanto, os defensores do argumento neoliberal desconsideram
que o mercado moderno é caracterizado pelo monopólio, pelo cartel o que inviabiliza
as possibilidades de regulação por meio da concorrência. Desgastada por profundas
crises: econômica, social, de representatividade e legitimidade, a sociedade
brasileira recebe o ideário neoliberal relegando o Estado à posição de instrumento
indesejado.
[...] A crise por que passava o Estado era forte e de vastas proporções.
Pareciam então comprometidas as possibilidades de um surto endógeno
de auto-renovação. Havia um claro consenso em gestação, apoiado na
idéia de que o Estado hipertrofiara-se, funcionava mal, perdera a
capacidade de coordenação e precisava ser reformado em suas bases, em
sua cultura organizacional, em seus procedimentos. (NOGUEIRA, 1998, p.
155)
A reforma do Estado a partir de atores internos não era vista como possível, pois os
“males” apontados eram de razão cultural, já incorporados na formação do mesmo.
A reforma deveria seguir o caminho da desprivatização do Estado, de maneira
colocá-lo a serviço da sociedade, democratizando seu acesso por parte dos
cidadãos, como afirma Nogueira (1998, p.156) “[...] um novo padrão de
relacionamento Estado/sociedade, em suma, a recuperação da esfera pública
enquanto tal [...]”. Uma proposta de reforma com esses objetivos era algo
impensável na década de 90, dado as turbulências, não apenas dos dois anos do
mandato de Fernando Collor de Mello, mas de todo o jogo de forças políticas.
Definitivamente, a reforma viria se a ela fossem somadas iniciativas para além dos
próprios mandatos, que passassem pelo fortalecimento das instituições
democráticas do país.
A REFORMA DEMOCRÁTICA DO ESTADO: QUAL REFORMA?
Vencedor do plebiscito de abril de 1993, o presidencialismo brasileiro sofria pelo
desgaste de suas ações. Em meados da década de 90 a reforma do Estado tomava
o rumo da reforma do presidencialismo. Desajustado pela dificuldade de
encaminhamento de uma reforma política propriamente dita, sofria com a
desarticulação entre o poder Executivo e o Legislativo e crises de ordem federativa.
Problemas de governabilidade eram, como são em sua devida escala até hoje,
comuns pela dificuldade de condução de uma sociedade altamente marcada pela
desigualdade e por conflitos. Compreendida como um amplo processo de
reestruturação ou estruturação do próprio presidencialismo a reforma do Estado,
segundo Nogueira (1998, p.165) “[...]entrou nos anos 90 com uma pauta bem
definida, estruturada por quatro movimentos principais”.
Modernizar as instituições básicas da política. Essa medida tinha como justificativa a
valorização da representatividade, do sentido da ação política. Estabelecer regras
que funcionem é importante para que o estrato social passe a dar crédito ao
discurso que é proferido. O incentivo a vida partidária pode ser alcançado se a
imagem de seriedade, de organização e mesmo de objetividade for bem “vendida”.
Transformar a estrutura organizacional e o funcionamento do Executivo. Essa
demanda arbitra sobre a necessidade de ampliar o controle da Presidência sobre as
questões da administração pública. Sua execução deveria acontecer
concomitantemente com o fortalecimento do Judiciário. Na atualidade, percebemos
que o critério de fortalecimento do Judiciário ganhou muito mais espaço do que a
própria ampliação do controle por parte da Presidência.
Compensar o forte desequilíbrio federativo inerente à constituição histórica da
República presidencial no Brasil. A constituição de 1988 garantiu uma margem de
liberdade aos municípios e estados da República Federativa, porém não legislou
com a mesma competência para distribuir encargos e responsabilidades,
concentrando-os quase que exclusivamente nas mãos da União. Essa correlação de
forças fez, e em certos casos ainda faz, com que qualquer iniciativa de reforma
dependa muito da maneira como as mesmas estão colocadas em determinados
momentos.
Reestruturar em profundidade e modernizar a Administração Pública. Apresentavase
como essencial uma reestruturação da maneira como era conduzida a
Administração Pública, no entanto, uma reestruturação que avançasse para além do
simples corte de gastos e cargos. Era, como ainda é, necessário que se mudasse a
própria maneira como o poder Executivo se relacionava com a sociedade para o
alcance de um novo ideário da função pública, tanto da parte dos beneficiários como
dos gestores. A correlação de forças, nesse caso, deve buscar uma possível
harmonia entre os interesses e necessidades das duas partes. Buscar também a
participação e valorização do funcionário público comprometido e conscientemente
engajado, o que Nogueira (1998, p.170) chama de “burocracia ilustrada”.
A reforma do Estado surge no Brasil como um processo amplo e complexo, onde
estão envolvidos diversos níveis a serem reformados numa relação de
sobreposição. A alternativa nesse caso, como afirma Nogueira (1998, p.170) é “[...] o
ataque simultâneo a todos eles – através de uma sucessão de reformas graduais e
articuladas, espalhadas num tempo difícil de determinar [...]”.
Afinal por onde passa e para onde vai a reforma do Estado?
Um aspecto relevante para a reforma é a qualificação dos recursos humanos
responsáveis no aparelho estatal. Investir em profissionais que desempenhem de
maneira consciente as suas funções enquanto gestores ou técnicos corrobora sem
dúvida para que a mudança aconteça. São necessários profissionais da articulação,
que congreguem em si atribuições que o façam saber ler o desejo da sociedade e
interpretá-lo à luz das possibilidades democráticas do Estado.
[...] Pois o fundamental hoje é impulsionar a radical conversão da postura e
da mentalidade do servidor público. [...] Profissionais que entendam a
importância do espaço público nesses tempos tão mercantis, que não se
deixem arrastar pelas promessas abstratas da neutralidade axiológica ou
do fim do Estado, que saibam manter a função pública como atividade de
tipo especial, vocacionada para o bem-estar comum e a justiça social.
(NOGUEIRA, 1998, p.211).
Entretanto, não há como eleger os recursos humanos e a necessidade de qualificálos
como o único fator para a reforma democrática do Estado. Seria atribuir um valor
demasiadamente exagerado a ação dos mesmos, assim como reduzir a solução do
problema há uma via de mão única, do poder público para a sociedade. A reforma
não se reduz apenas a uma Reforma Administrativa, como já foi dito anteriormente.
Há ainda a atribuição de pensarmos a reforma por um viés mais político e menos
técnico, na medida em que o maior auxílio para a reforma poderia ser a vontade
política, um novo plano de atuação que vise a real transformação. Supomos que um
plano assim poderia reverter em algum ganho, porém, cabe analisar se o mesmo
seria eleitoral, se com esse discurso angaria-se votos, o que infelizmente faz parte
da lógica das forças políticas brasileiras, mas não só.
O problema descrito acima poderia não existir se optássemos por uma alternativa de
educação para a reforma democrática do Estado. Apesar de seu caráter hipotético
podemos imaginar que um processo de formação do indivíduo que contemple desde
sua socialização mais primária o entendimento das questões referentes ao Estado e
da coisa pública em geral o habilite a construir estruturas de poder e a se relacionar
com as mesmas de maneira mais democrática. É uma possibilidade de reforma que
leva em consideração uma transformação cultural, por isso mais custosa e gradual,
que tal começar agora?
Nogueira (1998, p.211), recorre a ação da sociedade em articulação com o Estado
para propor a reforma, “[...] qualquer reforma do Estado digna do nome não pode se
reduzir ao plano da administração, do funcionalismo público ou dos ajustes fiscais,
tributários e previdenciários: seu nervo, a rigor, está “fora” do Estado [...]”. Para ele a
reforma nesses moldes não passa de um prolongamento da reforma da própria
sociedade que passa a fazer com que o Estado trabalhe para ela.
E então? Qual reforma? Vislumbro que a possibilidade de reforma democrática do
Estado pode ser cogitada se pensarmos em um plano de ação que contemple todos
os fatores da reforma apontados até aqui, que leve em consideração o exemplo
histórico, a dinâmica da sociedade e a relação de forças instauradas no país. Uma
reforma comprometida com a liberdade, sem perder de vista o fortalecimento estatal,
ainda que essas duas variáveis historicamente tenham andado separadas. É mister
implementar um pouco mais do que é formulado. A discussão sobre as
possibilidades da reforma já acumulam alguma reflexão, entretanto, a ação é ainda
muito tímida. Reflitamos sobre a necessidade de erguermos a bandeira de uma
militância em prol da reforma democrática do Estado. Considerando toda essa
efervescência, somos constrangidos a pensar que falamos de reformas, não no
singular da palavra para que não nos percamos na multiplicidade de fatores.
Retornamos a pergunta da seguinte maneira: e então? Quais reformas?
BIBLIOGRAFIA
AVRITZER, Leonardo. "Cultura política, atores sociais e democratização: uma
crítica às teorias da transição para a democracia", In AVRITZER Leonardo. A
moralidade da democracia. São Paulo/Belo Horizonte: Perspectiva/UFMG, 1996.
NOGUEIRA, Marco Aurélio. As possibilidades da política: idéias para a reforma
democrática do Estado. São Paulo: Paz e Terra, 1998.
SANTOS, Boaventura de S.; AVRITZER, Leonardo. Introdução: para ampliar o
cânone democrático. In: SANTOS, Boaventura S. (Org.). Democratizar a
democracia: os caminhos da democracia participativa. 2ª ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2003.
WEFFORT, Francisco C. Qual Democracia?. São Paulo: Cia. Das Letras, 1992.
ZORZAL, Marta. Globalização, neoliberalismo, democracia: impasses e
paradoxos na agenda da democracia contemporânea. UNICAMP/USP, 1996.
[mimeo]

Nenhum comentário: